Tragédia anunciada

Nilton1-7844961Caros amigos,
Tenho a obrigação moral de escrever este editorial, embora sinceramente este seja um texto que não gostaria nunca de escrever, por razões óbvias. Já que ele trata da morte de uma pessoa, especialmente, de uma pessoa querida na cidade, pertencente a uma família que conhecemos e admiramos.

É um momento de dor, de espanto e de incredulidade. A chegada da morte sempre é uma coisa terrível, mas ela fica pior ainda, quando sabemos de algo que poderia ser evitado, quando temos a convicção de que ela chegou graças a um ato vil de covardia, irresponsabilidade e crueldade.

Na segunda-feira, 21/5, aconteceu uma terrível tragédia em nossa cidade: uma funcionária pública de 59 anos caiu de um telhado quando estava trabalhando como agente de saúde, na prevenção da dengue (leia matéria jornalística postada hoje).

O absurdo é que esse acidente não era para ter acontecido. Essa tragédia já havia sido anunciada pela própria vítima e, portanto, poderia ter sido evitada. Qualquer profissional com um mínimo de responsabilidade que exerça uma função de coordenação sabe que é irresponsabilidade colocar alguém para exercer uma função de risco sem estar devidamente preparado.

Vejamos, uma pessoa de 59 anos, que segundo familiares era totalmente míope, não deveria nunca trabalhar subindo em telhados vistoriando caixas d’água. Isso me parece óbvio para qualquer um, afinal, é um serviço perigoso até mesmo para um jovem ágil e saudável, que dirá para uma senhora dessa idade e ainda com grave deficiência visual.
Pra mim está claro que uma pessoa desta idade – aliás, é preciso ressaltar que ela estaria completando 59 anos no dia em que foi enterrada – não é a mais indicada para subir em escadas, andar em telhados, vistoriar casas, em terrenos irregulares, construções complicadas. Uma pessoa dessa idade por mais saudável que seja deve se locomover com cautela, exercer funções mais intelectuais que físicas. Como agente de saúde, ela poderia visitar as casas, conscientizar as pessoas sobre o problema da dengue, conversar, distribuir folhetos, orientar. Enfim, poderia fazer muitas coisas úteis, mas não deveria jamais subir em telhados para colocar telas protetoras em caixas d’água.

Mas por que ela subia em telhados? Será que ela gostava, subia com prazer? Não, caros amigos. Ela não gostava, não sentia prazer. Ao contrário, ela sentia medo e sabia das suas limitações. Segundo relatos de amigos, ela inclusive já havia pedido para exercer outras funções menos perigosas.

É aí, que entra a covardia, o ato vil, a crueldade e a irresponsabilidade. Ela poderia ter sido atendida. Poderia ter recebido outras funções. Mas não. Ela foi obrigada a continuar a trabalhar, a realizar todos os dias, essas atividades que a enchiam de medo.

Concordo que ela foi mantida numa função nem um pouco humilhante ou vergonhosa. Afinal, trabalhar no combate à dengue é uma atividade honrosa, que dá orgulho aos agentes de saúde, pois, todos sabemos que a dengue mata e quando esses heróis estão trabalhando eles estão salvando vidas.

O problema é mais simples: ela foi designada para fazer um trabalho do qual não tinha condições físicas (idade avançada e miopia) e emocionais (medo de altura) para exercer. Ou seja, ela foi obrigada a engolir o orgulho, foi humilhada ao ter suas reivindicações ignoradas. Por tudo isso, foi vítima de assédio moral, ao sofrer uma perseguição política, já que por muitos anos exerceu atividades de confiança na prefeitura em administrações anteriores, de adversários políticos da atual Administração.

Quem leu a matéria sobre o acidente, observou que no final do texto a única declaração que a Coordenadoria de Comunicação da Prefeitura fez foi de que estão sendo tomadas providências para apurar as causas do acidente. Ora, isso seria muito engraçado se não estivéssemos falando da morte de alguém.

Apurar quais causas do acidente? A causa do acidente não é a questão da nossa indignação. Todos sabemos que ou ela caiu porque perdeu o equilíbrio ou caiu porque sentiu alguma tontura ou vertigem. Não interessa saber a causa do acidente, ela não é relevante. O que interessa saber é por que ela, uma mulher de quase 60 anos, com 13 graus de miopia, estava pendurada num telhado, a quase quatro metros de altura, obedecendo a ordens de trabalho?

Que interesse teria um chefe ao designar o seu subordinado para exercer uma função claramente incompatível com seu perfil, em condições precárias e perigosas? Ou esse chefe é um incompetente que não sabe reconhecer as limitações físicas e emocionais de seus funcionários…Ou esse chefe é mal-intencionado. Não sei o que é pior. Você pode me dizer, caro leitor?

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