Bruno Loureiro
Quando se acreditava que os golpes de Estado fossem recursos do passado na América Latina, veio a notícia da deposição do presidente de Honduras José Manuel Zelaya na madrugada de 28 de junho. Exilou-se em Costa Rica enquanto se voltava a atenção a um dos países mais pobres da América em busca de uma explicação convincente. Os atores deste ato ofereceram a justificativa de que Zelaya prosseguiria com o referendo para viabilizar uma mudança constitucional e é acusado de dezoito delitos pela Promotoria de Honduras.
As forças armadas fizeram o que queriam, mas, mesmo com apoio de empresários e outros setores internos, esqueceram-se de medir as consequências. Confiaram demais no princípio da auto-determinação dos povos. Lidar com a democracia, no entanto, implica a consideração de um contexto maior e, portanto, o respeito a normas internacionais de que Honduras faz parte, como as que preveem os valores democráticos, e a suposição de que outros países dariam palpites sobre política interna.
A reação dos outros países foi unânime: condenação do golpe, retirada dos embaixadores, diálogos e opiniões intermináveis, apoio de países amigos a Zelaya, recomendações para que o presidente deposto retorne ao cargo e o país volte à normalidade, receio do fim da paz na região, e a expulsão de Honduras da Organização de Estados Americanos (OEA) devido ao desrespeito aos preceitos democráticos acordados entre os países membros desta instituição. O presidente hondurenho em exercício, Roberto Micheletti, não cede às pressões externas.
Enquanto isso, restringiram-se direitos para evitar manifestações em Tegucigalpa, capital do país, e manter a paz aparente em relação ao alvoroço íntimo dos hondurenhos de não saber aonde o processo vai dar. Ademais, o país não pode pisar em falso porque sua economia depende de Estados Unidos, que recebe a maior parte de suas exportações baseadas em café, banana, camarão e têxteis, e é o chefão da democracia. Uma interrupção deste fluxo comercial afetaria enormemente Honduras, ao contrário da brisa que chegaria à potência do norte.
A retaliação diplomática a Honduras já sucede e é um instrumento, ou poderíamos dizer método de negociação, cada vez mais comum de demonstrar uma postura política nas relações internacionais. É o que fez a União Européia retirar seus vinte e sete embaixadores do país até que volte à normalidade. A restrição comercial também ocupa lugar proeminente nestas situações de divergência de opinião, mas ainda não se recorreu a ela. Tenta-se deixar a economia para o final para não afetar, mesmo infimamente, outros países.
Entra em jogo a estabilidade política da América Central, o rumo de sete milhões de hondurenhos, a reincidência das forças militares nos golpes de Estado na América Latina, o desenvolvimento da democracia como valor e instituição na região, e a influência de outros países nas tomadas internas de decisão. Não é fácil defender uma postura quando as ferramentas de que dispomos são mormente notícias sobre os acontecimentos em Honduras e valorações pessoais. Difícil saber quem está com a razão. Teríamos que acompanhar de perto o que acontece lá dentro.
Um pequeno país centro-americano é capaz de orientar pautas, definir debates e provocar animosidades. Nem sempre sendo o exemplo para o mundo como se esperaria de um continente majoritariamente democrático e livre. O que pensar então do peso que tem toda a América Latina ou, sem ir tão longe, os membros da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA)? Honduras já sente o efeito de uma ação indesejada. Derrubar o presidente e expulsá-lo não foi a parte mais difícil. O pior é justificar ao mundo e conquistar legitimidade sobre golpes e tropeços.
Bruno Peron Loureiro é analista de relações internacionais.